Três sonetos de Deus ausente
1.
Gostava tanto que Deus existisse!
Como eu havia de ser diferente,
pior ou melhor não sei, se o visse
caminhando, humano, entre a gente
que vai prò trabalho de madrugada,
tão pobre, suburbana, gente triste
como ela só, e tão desamparada,
que sofre, sofre tanto, mas resiste,
e regressa a casa noite fechada,
sem tempo para os filhos, o amor,
nada, nada, semana após semana,
gente humilhada, gente perseguida.
E Deus ausente, seja onde for,
todo o mês, todo o ano, toda a vida.
2.
Gostava tanto que Deus existisse!
Como eu havia de ser diferente,
pior ou melhor não sei, se o visse,
na manhã de neblina persistente,
a apanhar conchinhas brancas na praia,
como quem apanha nuvens no céu.
Seria menina e teria a saia
azul, curta, talvez de chita; eu
procuraria ajudá-la a encontrar
a conchinha mais bonita, depois
de ver a espuma das ondas e o ar
a bailar como grandes bailarinos.
E seríamos felizes os dois,
pois ficaríamos sempre meninos.
3.
Porque Deus, se existisse, era o azul
mais azul, a infância que não acaba.
Era pai, colo, primavera, mil
vezes o raiar da mesma madrugada.
E no desespero de um fim de tarde,
haveria de aspergir sobre nós
o seu olhar de infinita bondade,
o calor do gesto, o cristal da voz.
Tudo, tudo, outra vez seria novo,
eterno mesmo só por um minuto:
água de lume mais rosa do povo,
voz, viagem, Penélope, Ulisses,
som de piano, flauta, flor e fruto.
Gostava tanto que Tu existisses!
Poema de, José Carlos de Vasconcelos
em, Repórter do Coração
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Eu, costumo dizer, se acreditasse em Deus passaria muito de meu tempo em igrejas, capelas, capelinhas e santuários!
Mas não a Lhe rezar, e sim a ralhar com Ele!
Este poema, eu acho lindo.
Espero que agrade a mais alguém. Um beijo e bom fim de semana, para todos.
fatima