domingo, julho 29, 2012

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Quando a alma se lhe ensombrou

E se ela não voltar toda a noite, que fará ele da noite toda,
e se ela voltar à meia-noite e se for logo deitar, 
que fará ele durante o sono dela? Amanhã dir-lhe-á
que o dinheiro foi devolvido, que é livre de se ir embora
e que ele deixou de ser necessário. Cerca das nove horas
houve um corte de corrente, e tal um alpinista solitário
surpreendido pela noite num lugar deserto, procurou
uma lanterna e projectou em volta feixes de sombra.
Quando a alma se lhe ensombrou, decidiu ir ter com Bettine,
que também estava às escuras, apenas iluminada pela luz pálida
de uma lamparina de cabeceira.
E como a luz não voltava e a lamparina ia enfraquecendo,
deu pro si a contar-lhe que um pássaro encharcado e inesperado
fizera o ninho em sua casa, e que ele hoje tratara
- vá-se lá saber porquê-
de fazer com que também este lhe escapasse em breve.
Bettine adivinhou entre as linhas o segredo dele
e achou-o por um lado ridículo e por outro patético e degradante.
Pegou-lhe na mão, e escutaram ao longe o vaivém do mar
no meio das trevas,
depois tocaram-se num abraço tímido sem se despirem,
em parte por solidão da carne, em parte por graça e dádiva.
Bettine sentiu na carne que ele pensava noutra mas perdoou-lhe:
se não fosse a outra, aquilo nunca teria acontecido.

de Amos Oz
em O Mesmo Mar



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